Vinha do enforcado: produção de vinho num sistema agroflorestal ancestral e ameaçado no Norte de Portugal

Fonte: Joana Amaral Paulo (ISA), Ana Tomás (ISA), José Sousa Guedes (ADERSOUSA)

 Os sistemas agroflorestais são uma prática bem conhecida, dispersa e diversificada em Portugal. Estes sistemas incluem uma variedade de espécies, culturas e variedades locais de animais e culturas agrícolas. Na região centro e norte do país, caracterizadas por explorações de pequena dimensão, os sistemas agroflorestais foram durante muitos séculos a base de uma agricultura familiar, permitindo às famílias aumentar a diversidade dos produtos provenientes de uma pequena parcela.

Fig. 1 Gravura sobre o sistema ‘vinha do enforcado’
Fonte: Codex Vindobonensis in Dupraz, C. and Liagre, F. 2008.

Agroforesterie. Dés arvres et des cultures. Editions France Agricole.

     

Na região Norte de Portugal podemos encontrar um sistema ancestral, originário da idade média, o qual se apresenta com um rápido decréscimo em área de dispersão: a vinha do enforcado (Fig. 1). O sistema baseia-se no cultivo das videiras para produção de vinho, cultivadas nos limites das parcelas agrícolas e deliberadamente geridas para promover o crescimento em altura (até 4 metros ou mais), suportado por postes vivos de árvores de espécies como o plátano (Platanus spp), lódão bastardo (Celtis australis), freixo (Fraxinus spp) etc. O interior das parcelas é dedicado ao cultivo de culturas agrícolas ou atividades de pastorícia.

Neste sistema as árvores são podadas anualmente com dois objetivos: obtenção de forragem para os animais e redução da quantidade de sombra que, caso não fosse efetuada, resultaria na limitação do desenvolvimento e maturação do fruto (uvas). Por esta razão, as espécies arbóreas utilizadas neste sistema necessitam de apresentar a capacidade de serem geridas por práticas de talhadia de cabeça ou podas frequentes.

 

Fig. 2 Promotores da visita AFINET, produtor e Innovation Broker portuguesa

 

Fig. 3 ‘Vinha do enforcado’ agroforestry system: trees (Platanus spp. in this case) serving as poles for vertical vineyard development

As variedades das videiras encontradas na ‘vinha do enforcado’ apresentam características distintas de outras videiras: i) maior predominância de crescimento na vertical (trepadeiras); ii) maior tolerância à sombra; iii) propriedades organoléticas distintas. Estas variedades e as práticas de gestão características deste sistema, ambas ameaçadas, originam a produção de um vinho com características distintas, ainda que pouco estudadas e já muito pouco consideradas pelo setor do vinho.

Este sistema encontra-se claramente em perigo devido à expansão das vinhas para produção intensiva e à crescente falta de mão-de-obra. Ainda existe área deste tipo de sistema na região do Vale do Sousa e áreas circundantes. Em Outubro de 2017 o projeto AFINET realizou uma visita a uma das últimas explorações do Vale do Sousa que ainda produz vinho de vinha do enforcado. A visita foi promovida pela pela Associação de Desenvolvimento Rural das Terras do Sousa, membro da RAIN Portuguesa, e pela adega cooperativa Terras de Felgueiras – Caves Felgueiras, CRL (Fig. 2). O produtor em questão possui propriedades que totalizam 2.5 ha e mais alguma área arrendada. A sua exploração é constituída por 1 ha de vinha do enforcado (Fig. 3 e 4), com milho a ser produzido no centro destas parcelas, 1.7 ha de vinha intensiva e 50 vacas ‘Limousine’. A juntar a esta descrição, a visita também teve como objetivo compreender os motivos pelos quais este sistema se encontra em abandono, tendo identificado três aspetos principais:

- Falta de mão-de-obra para a vindima: esta atividade ainda é realizada manualmente, usando escadotes, o que a torna uma atividade perigosa e demorada

- Práticas de manutenção da vinha e de vindima representam custos elevados

- Baixo preço das uvas- A PAC através do regime de apoio à reconversão e reestruturação da vinha (VITIS) abrange a alteração dos sistemas de condução e a reconversão varietal. Na região do EDM, o arranque de um metro quadrado de vinha de enforcado ou ramada instalada na bordadura origina uma autorização de plantação de três metros quadrados de vinha contínua

É necessária uma ação urgente para a proteção deste sistema tradicional de condução de vinha. Ele representa uma oportunidade para o desenvolvimento de novos produtos e serviços nesta região: (1) há aqui a possibilidade para a criação de um novo produto, dado que estas variedades vigorosas de videira tendem a produzir vinhos ligeiramente mais ácidos e com menor grau alcoólico, criando vinhos menos inebriantes; (2) há que contabilizar o seu valor para a biodiversidade do meio, albergando, muito provavelmente, fauna específica (pássaros e morcegos); (3) uma vez que se trata de um sistema tradicional ancestral, uma candidatura a património da humanidade da UNESCO poderia ser considerada, o que contribuiria também para o desenvolvimento turístico da região.

O projeto AFINET pretende chamar a atenção para estes sistemas agroflorestais em declínio, evidenciando exemplos e potenciando ações conjuntas ao nível europeu.

 

Fig. 4 Detalhe dos diferentes ‘andares’ da vinha do enforcado: Platanus spp. a servir de postes, a vinha e, à data da visita, couves no andar inferior.
Normalmente, no centro destas parcelas é também produzido milho para alimentação animal.

 

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